domingo, 28 de outubro de 2012

Heterônimos, essências transmitidas através de máscaras


Heterônimo é uma personagem de origem fictícia. É criada por escritores, com o objetivo de propagar a realidade de diferentes jeitos.
Assim, cada heterônimo contem uma biografia própria, um estilo específico, uma singularidade em seus temas. Podemos dizer que são frações dentro de um escritor, que se divide em outros com ideias e pensamentos diferentes, para assim dizer o que sente, o que realmente pensa, e transmitir suas ideias.  Talvez, seja como se o escritor tivesse sua essência, porém para demonstrá-la ele coloca uma máscara para escrever as suas ideias.
É muito mais do que assinar sua obra com algum apelido ou outro nome. É como se essa parte tivesse realmente vida própria, pensamento próprio, um mundo idealizado, diferente do que o escritor normalmente escreve em suas prosas ou versos.
Imagine um caleidoscópio, um tubo cilíndrico com espelhos no interior que refletem imagens em múltiplas combinações, em objetos coloridos que estão fixados no fundo. Já no campo literário, caleidoscópio seria um poeta como o tubo cilíndrico, e em seu interior teriam as combinações, no caso sua imaginação para criar formas assim surgiria os heterônimos, como se fosse projeções de vários escritores, porém todos partem de um mesmo cilindro, ou seja, o criador dos heterônimos.
No Brasil, temos um matemático e escritor que foi um dos maiores divulgadores da matemática em nosso país, o Malba Tahan que é um heterônimo criado pelo Júlio Cesar de Mello e Souza.
Temos outro exemplo em nossa literatura de um grande escritor do Modernismo português, Fernando Pessoa que não escrevia apenas, criava escritores. Ele possuía muitos heterônimos, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares, entre outros. Um dos mais conhecidos é o Alberto Caeiro, que é o mestre de todos os outros heterônimos, inclusive de seu criador, Fernando Pessoa. 
Quem sabe a ideia de heterônimos fique entendida pela explicação de Fernando Pessoa que define este processo numa carta que escreveu ao poeta e crítico Casais Monteiro:

[...] Vou entrar na gênese dos meus heterônimos literários, que é afinal o que V. quer saber. [...]
Aí por 1912, salvo erro [...] veio-me à idéia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular [...] e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, uma penumbra mal urdida, um vago retrato de pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)
Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico [...]. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira - foi em 8 de março de 1914 – acerquei-me de uma cômoda alta e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título – “O Guardador de Rebanhos”. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente, peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa Aberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reação de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jato, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a “Ode Triunfal” de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
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Como escrevo em nome desses três?... Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber o sequer calcular o que iria escrever. Ricardo Reis depois de uma deliberação abstrata, que subitamente se concretiza numa ode. Campos quando sinto um impulso para escrever e não sei o quê. [...]

Como os heterônimos possuem vida própria, já que possuem biografias, estilos e temáticas que lhes pertencem, enviaram-nos contos e poemas. Sim essa semana aparecerá contos e poemas de alguns heterônimos que o Editorial Alfa recebeu.



Aryana Frances





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