por Luciano Melo
Duas da manhã. No cinzeiro, dezenas de filtros amassados atestavam a agonia de uma noite vagarosa. Valetes amontoados em blefe tentando esquecer o vazio do apartamento, regado a generosas taças de um tinto sexagenário e dos compassos do segundo movimento, o Allegretto attacca, sonata do velho Ludwig, que Lucrécia dizia ter o nome de luar pois um poeta, ao ouvi-la pela primeira vez, imaginou um barco navegando nas águas do rio Lucerna sob a lua de verão.
Como nada é importante neste relato, restrinjo-me apenas à última lembrança de Fausto, sentado no sofá bege de couro e envolto às notas em dó menor. A recordação da doce tia Lucrécia e a frustração em ensinar-lhe algumas escalas nas teclas amareladas de um piano polonês. Sobraram o barco e a lua, o poeta e Beethoven, e as faces rosadas da amável mulher.
Voltou com os olhos fixos numa dama, de paus. Sentiu vergonha de cogitar a imagem da tia por meio da carta, mas os arpejos recobraram a dignidade da lembrança familiar. Ficou novamente embaraçado consigo próprio e lembrou-se de que não era digno. Perdera em algum momento da vida, durante estes trinta anos. Quando tentou reencontrar, recuou. Não tinha coragem. Não tinha mais fé. Descobriu-se só.
E só permanecerá. Porque assim a vida inteira o tratou. E era assim que Fausto tentava se olhar no espelho da sala, encaixilhado por afrescos barrocos, mas não via nada. Os olhos não diziam mais que uma melancolia, um spleen que atravessava a espinha e inundava o mórbido espírito daquele corpo, um suave veneno que entorpecia os sentidos e a alma.
Como nada é importante neste relato, restrinjo-me apenas à última lembrança de Fausto, sentado no sofá bege de couro e envolto às notas em dó menor. A recordação da doce tia Lucrécia e a frustração em ensinar-lhe algumas escalas nas teclas amareladas de um piano polonês. Sobraram o barco e a lua, o poeta e Beethoven, e as faces rosadas da amável mulher.
Voltou com os olhos fixos numa dama, de paus. Sentiu vergonha de cogitar a imagem da tia por meio da carta, mas os arpejos recobraram a dignidade da lembrança familiar. Ficou novamente embaraçado consigo próprio e lembrou-se de que não era digno. Perdera em algum momento da vida, durante estes trinta anos. Quando tentou reencontrar, recuou. Não tinha coragem. Não tinha mais fé. Descobriu-se só.
E só permanecerá. Porque assim a vida inteira o tratou. E era assim que Fausto tentava se olhar no espelho da sala, encaixilhado por afrescos barrocos, mas não via nada. Os olhos não diziam mais que uma melancolia, um spleen que atravessava a espinha e inundava o mórbido espírito daquele corpo, um suave veneno que entorpecia os sentidos e a alma.