por Peterson Oliveira
Era manhã. Uma nova manhã. Uma mesma manhã.
Levantar da cama durante a semana tornara-se complicadíssimo, não que aos fins de semana fosse animável fazê-lo, mas nada conspirava a seu favor. De que valeria sair do conforto quentinho da cama para se atirar em um ambiente frio, o qual ainda têm coragem de chamar de escola? O travesseiro e as cobertas ainda eram os únicos a aceitar a realidade física que provocara batalhas travadas contra seus zombadores até a noite anterior. Custou a pegar no sono e acordou quase que sombriamente ao perceber os resquícios lacrimais que ainda encharcavam o travesseiro. De qualquer modo teria que levantar, pois era isso ou se conformar em ficar toda a manhã ali em sua casa obedecendo a tarefas que decididamente não caberiam a alguém de sua idade, aliás, não caberiam a ninguém em idade alguma. Pois bem, levantou-se. Arrumou-se rápida e silenciosamente com o máximo de esforço possível para não despertar aqueles que menos queria. Saiu e trancou a porta como de costume, a fome revirando sua barriga. No entanto, pior que agüentar a corrosão em seu estômago devido a falta de consideração de seus responsáveis, era sentir todas suas entranhas se revirarem ao imaginar o que viria pela frente. Eles. Sim, eles que insistiam bravamente em empregar apelidos, soltar xingamentos e atirar objetos sobre sua cabeça. Eles. Era péssimo adentrar os portões do local que insistiam em empregar-lhe um nome tão suave. Uma vez tentou revidar, mas fora pior e ainda paga o preço por, como fizeram questão de deixar bem claro, tal ousadia. Mas a experiência lhe valeu, passou a pensar no porquê de ser tão ruim viver essas situações que estavam como um carma em sua vida. Sua vida. Não havia sentido prazer algum em toda sua vida, exceto talvez, da vez em que recebeu a visita de um primo e a mulher que o teve permitiu lhe entregar uma boa bofetada no rosto. Foi bom estar do outro lado por alguns segundos. Alguns segundos apenas, porque não tardou a bater o arrependimento em sua mãe. Não costumava chamar a tal mulher de mãe, pois assim como escola, era um nome muito doce para dar a ela. A figura maternal em seu lar vivia lhe dizendo que escola era besteira, de certa forma era mesmo, mas mais besta era ela. Mulher tonta. Ficava mais tonta quando chegava perto de pós brancos e quando tragava sabe-se lá o que, mas com certeza não era coisa boa, do contrário ela não havia lhe oferecido. Aceitou. Usou e não pode mais parar. Ótima sensação, prazer inigualável e problemas esquecido instantaneamente, remédio perfeito. Sem fazer esforço algum se transportava para um outro mundo, onde não era alvo de humilhação, onde se sentia pessoa, onde se sentia comum, imperceptível. Era realmente bom, uma pena que custasse caro de mais. Mas nem importava-se, era o que lhe fazia bem, pelo menos mentalmente porque fisicamente era horrível e em poucos dias parecia que envelhecera uma década. Grande coisa. Continuava a sofrer humilhações e rebaixamentos sem chances alguma de defesa, a não ser o prazer conquistado através do pior modo possível. Jurara se matar poucos dias depois. Faria falta? Sentiram sua falta? Talvez sentissem falta de lhe chutar ou de gritar da outra esquina que era uma aberração. Aberração aceita apenas por sua cama. Gostava muito de sua cama. Era quem lhe dava forças para se atirar ao bombardeio à manhã seguinte. Uma nova manhã. Uma mesma manhã.
2 comentários:
Adorei esse texto!
O texto é ótimo! Tema triste mas fiel à realidade que ignoramos de muitas pessoas.
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